quarta-feira, julho 01, 2009

sobre o perdão...

Entramos aqui, nesta palavra perdão, num mar tão fundo e tão denso, que o único pressuposto que me permite falar sobre ele é o facto de já ter sido perdoado. E quem já foi perdoado sabe do que é que estou a falar. O que é ser perdoado? No fundo, acredito não ser capaz de dizer muito acerca disto, porque aliás, pode-se dizer muito e não dizer nada. Falo então a quem já foi perdoado. A quem já errou, já desiludiu, já falhou, e há-de continuar a fazê-lo.

Ser perdoados é, por muito que nos custe, ser confrontado com a nossa finitude e incapacidade. Não é reduzirmo-nos à insignificância, nem abstermo-nos pela nossa incapacidade, mas sim reduzirmo-nos ao que somos. “Para Deus sobe-se descendo” (S. Francisco Xavier), foi o recado dado, mas provamos que somos tão pequenos, quando no perdão que nos é dado, vemos uma última hipótese, vemos uma incapacidade de sermos mais. Porque, parece-me, este é que é o mal de quem não gosta de ser perdoado, o de achar que sozinho se safa, de que sozinho é capaz.

E então, como respondemos a quem nos perdoa? Normalmente com promessas: “Da próxima vez não o faço”, ”vais ver que vou mudar”, etc. E acrescentamos a mentira ao mal que já fizemos. A mentira sim, porque se levantássemos a cabeça e olhássemos a nossa história, veríamos tantas vezes o mesmo erro. O problema é nós não conseguirmos compreender aquilo que não somos capazes de fazer.

O perdão de Deus é assim um absurdo aos nossos olhos. Acreditar que é no erro, no falhanço, na tão vivida vergonha, que somos chamados de filhos desconcerta-nos. Insistimos, então, na pequenez e encaramos o perdão com desconfiança, ou melhor, com contrapartida. “É só mais esta vez, que eu não perdoo mais”, ”olha que assim não vais lá… Talvez se…”. Fazemos da vida uma prova de obstáculos e não aceitamos o que nos é dado. Esquecemos que pecamos quando tentamos ser maiores do que realmente somos e o perdão, o de Deus pelo menos, é um acto de amor para com o que sobra de uma alma arrependida, e tantas vezes mal tratada. Falhamos e, numa justiça de talião, procuramos dar a nós próprios um castigo proporcional ao que julgamos que fizemos. Deixar-se perdoar é deixar-se Amar e ainda não temos o poder de dizer a Deus se nos deve ou não Amar.

Há pouco tempo, ouvi uma metáfora que muito me agradou. Um ateu seria alguém que acredita ter nascido sem asas ou com duas asas, dependendo se for pessimista ou optimista. Um cristão é alguém que acredita que Deus o criou apenas com uma asa. Estamos assim procurando a outra asa naquilo que o Senhor nos reservou, nos outros que o Senhor nos reservou.

Se comecei com uma citação de um santo, acabo com a de outro, que muito diz sobre o que somos, sobre o quanto precisamos dos outros e sobre o perdão: “Conservai a Vossa mão em cima da minha cabeça, Senhor, doutro modo Filipe, sem a vossa ajuda, faz alguma das suas” (São Filipe de Néri).

Que faço às minhas humilhações? Escondo-as? Ou entrego-as a Deus esperando assim a humildade?

Beijos e sejam felizes...

Texto escrito pelo irmão Manuel Vilhena - Companhia de Jesus

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